Thursday 26 January 2012

#Pinheirinho: "quem apanha, lembra" / "those who are punished, remember" por/by @CarlosLatuff

Postado originalmente por Carlos Latuff via Twitlonger em http://www.twitlonger.com/show/fi6k5e
e postado por Solidariedade a Ocupacao Pinheirinho em http://solidariedadepinheirinho.blogspot.com/2012/01/artigo-de-latuff-pinheirinho-quem.html
Todos traducao foi feita pelo @alxgucci

Originally posted by Carlos Latuff via Twitlonger at http://www.twitlonger.com/show/fi6k5e and posted Solidariedade a Ocupacao Pinheirinho at http://solidariedadepinheirinho.blogspot.com/2012/01/artigo-de-latuff-pinheirinho-quem.html

Este texto é um desabafo. Não pretendo que seja uma análise aprofundada. Outros artigos estão sendo escritos com esse propósito, por gente bem mais capacitada que eu. Expresso aqui a revolta que contamina meu coração desde domingo passado, quando acordei com a notícia de que os milhares de moradores do Pinheirinho, em São José dos Campos, estavam sendo desalojados.


This text is not an analysis; it is a way for me to blow off some steam.  Other articles are being written with the purpose of detailing the events at Pinheirinho, by people who are much more capable than I. What I wish to do here is express the revolt that has tainted my heart since last Sunday when I woke up to the news that thousands of residents from Pinheirinho, in São José dos Campos (SJC), were being thrown out of their homes.

Foto: Kit Gaion

Estive lá na semana passada, numa visita de solidariedade àquelas pessoas que estavam na iminência de serem despejadas de um terreno que ocupavam desde 2004. A juíza Márcia Faria Mathey Loureiro, da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, assinou a reintegração de posse (pomposo termo jurídico para despejo) em favor do senhor Naji Robert Nahas, notório especulador cujo nome aparece nas manchetes de jornal associado a crimes como lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e evasão de divisas.

I was there last week in a visit of solidarity to those people who were in impending danger of being evicted off a land that they had occupied since 2004. Judge Márcia Faria Mathey Loureiro of the 6th Civil branch of SJC signed the reintegration of possession (pompous legal term for eviction) on behalf of the man Naji Robert Nahas, a notorious speculator whose name appears in the headlines of newspapers and always associated with crimes like money laundering, criminal conspiracy and tax evasion.

Foram muitos os esforços para tentar deter o despejo, de advogados que se voluntariaram a ajudar os moradores do Pinheirinho, até sindicalistas, militantes de partidos de esquerda, movimento dos sem-teto, dos sem-terra, parlamentares, artistas como o rapper Emicida. Formou-se uma verdadeira rede de apoio, como há muito eu não via. Fiz questão de visitar o Pinheirinho porque queria fazer mais por aqueles moradores do que simplesmente desenhar charges. Fiz questão tambem de registrar imagens da ocupação, sempre mostrada pela imprensa como um acampamento de rebeldes que armados de paus e pedras se recusavam a acatar pacificamente uma ordem judicial.

The efforts were great and many helped to try to stop the eviction. Volunteer lawyers, trade unionists, militants of leftist political parties, political movements and organizations, parliamentarians and artists (such as rapper Emicida) all fought for the people of #Pinheirinho. A true web of solidarity was woven and it was unlike anything I had ever seen before.  I visited Pinheirinho because I wanted to do more for those residents than draw political cartoons. I took photographs to show the world that this was not just a place of rebels armed with sticks and stones who were refusing to peacefully respect a judicial order (as the mainstream media would have you believe).

O que encontrei não foi surpresa. Estive em visita a ocupações urbanas e rurais por algumas vezes na vida. Os moradores do Pinheirinho me lembravam os camponeses que conheci em Rondônia e no Paraguai. Aqueles olhares, os sorrisos de boas vindas e os pés descalços, gente humilde, de poucos recursos mas de muita coragem, que precisa de terra pra viver, e não para a especulação imobiliária. No Pinheirinho conheci uma família que saiu do interior da Bahia, onde sobreviviam do que conseguiam achar num lixão, e que construíram uma vida nova a custa de muito trabalho. O pai catando materiais recicláveis, a mãe vendendo secos e molhados em casa e a filha fazendo fraldas descartáveis. Tenho até hoje o papelzinho com o preço das fraldas. Conheci também o seu Jaime, um paranaense que veio com a família, e que me mostrou orgulhoso a horta que cuidou com tanto carinho, incluindo os pés de café que trouxe do Paraná. Visitei a Pamela e sua filhinha de 30 dias, e vi seu quintal, todo decorado pelo seu companheiro com brinquedos coloridos.


I have been to urban and rural occupations several times before; what I found was not surprising. The residents of Pinheirinho reminded me of the peasants whom I met in Rondônia and in Paraguay. Those glances and welcoming smiles, barefoott and humble people of few resources but of much courage; People who need land to live on, and not people who need land for property speculation. In Pinheirinho I met a family which left the interior of the Bahia (where they survived off what they could scavenge from a landfill), who built a new life through hard work. The father gathered recyclable material while the mother sold whatever she could to make a buck with, such as their daughter's handmade disposable diapers. (I still have the price label of the diapers.)  I knew also met "seu" Jaime, a Paranaense who moved to Pinheirinho with his family and who proudly showed me the vegetable garden that he took care with so much fondness, including the  coffee evergreen which he brought from his home state of Paraná. I visited Pamela and her little daughter of 30 days and saw her backyard which her companion had decorated with colorful toys.

Vi crianças jogando bola, brincando no chão de terra enlameado depois da chuva, vi a jovem mãe levando seu filho no carrinho, tentando desviar das poças de lama. Com um celular ia compartilhando estas imagens com os internautas. Queria que todos vissem de que se tratava de gente, de carne, osso e alma, e não apenas figuras sem nome no noticiário da TV. Por esse exercício de humanidade não passam os que usam suas canetas de ouro para assinar ordens de despejo, nem tão pouco os policiais que as cumprem.

I saw children playing football on the land turned mud after the rain. I saw a young mother taking her son for a stroll in the trolley, trying to evade the muddy puddles of water. With a cellphone in hand I shared these images on the world wide web. I wanted everyone to see that these were people of flesh and bone and not simply the caricatures without names that were shown on tv. This was my exercise in solidarity. Those that use their golden pens to sign orders of eviction don't pass through this exercise of humanity. And neither do the policemen who carry out these orders.

É comum a gente imaginar que por trás dessas decisões judiciais estejam figuras engravatadas que tem prazer em desalojar famílias pobres, que acham graça, riem, fazem piada, como vilões de filmes ou histórias em quadrinhos. Cheguei a conclusão de que não é bem assim. O despejo dos 9000 residentes daquele terreno foi uma ação burocrática, desprovida de sentimento. Fora os policiais militares, esses sim, que tem prazer em seu ofício brutal, os burocratas sequer tem contato com as vidas que destroem. As famílias do Pinheirinho são apenas obstáculos a serem removidos. Quando faço charges associando tais ações ao nazismo é porque identifico nelas a mesma ausência de humanidade. Penso em Adolf Eichmann e a tranquilidade com que descrevia o processo pelo qual deportou milhares para campos de concentração. Aquilo era para ele tão somente um ato administrativo. Nem a juíza Márcia Faria, nem Naji Nahas, nem o prefeito de São José dos Campos Eduardo Cury ou o governador de São Paulo Geraldo Alckmin se dispuseram a visitar a ocupação, já que seus moradores não são ninguém, não são nada além de um estorvo, um obstáculo ao império da ordem e da indústria imobiliária. Milhares de almas jogadas na rua, sem qualquer remorso ou compaixão, em favor de alguem que, diferente dos moradores do Pinheirinho, não precisa trabalhar para viver, sustenta-se através da falcatrua, da corrupção, das amizades influentes. Os moradores ficaram sem lar, mas os que os despejaram, voltaram para o conforto de suas casas.

It's common for us to imagine that the people behind these judicial decisions are business types that take a sadistic pleasure from ousting poor families from their homes. Most of us imagine them laughing and making jokes off other people's misery, like villains from movies or comic books. This is not true. The eviction of 9000 residents of that land was a bureaucratic action without sentiment or humanity. The military police aside (who indeed take pleasure from their brutal duties), the bureaucrats don't even have contact with the lives they destroy. To these, the families of Pinheirinho are mere obstacles to be removed. When I do cartoons associating such actions to Nazism it is because I identify in them the same absence of humanity: I think of Adolf Eichmann and the tranquillity with which he described the deportation of thousands to concentration camps. To him that was merely an administrative act. Not even judge Márcia Faria, not even Naji Nahas, not even the mayor of SJC Eduardo Cury, or the governor of Sao Paulo Geraldo Alckmin, made themselves available to visit the occupation. Since these residents are a bunch of "nobodies", they are purely a hindrance, an obstacle to the empire of order and of the property speculation industry. Thousands of souls were thrown out on the street without any remorse or compassion and on behalf of somebody, which, unlike the residents of Pinheirinho, does not need to work to live and is supported through fraud, corruption and influential friendships. The residents were left without homes, but those who evicted them returned to the comfort of their houses.

Quem vai se lembrar daquela gente quando, no terreno onde antes havia o Pinheirinho, for construído um mega shopping center? Quem sabe o novo empreeendimento seja batizado como "Pinheirinho Mall" ou talvez a palavra Pinheirinho nem seja mais usada pela administração municipal, na tentativa de apagar de vez a memória do que antes foi uma ocupação. Mas como diz o ditado popular, "quem bate esquece, quem apanha lembra".

When a new shopping mall is built on that land who will remember those that were evicted from Pinheirinho? Maybe they will name it "Pinheirinho Mall", or maybe the world Pinheirinho won't be used by the municipal administration at all (in an effort to erase from memory what was there before). But as the Brazilian saying goes, "those who hit, forget. those who are hurt, remember."

Carlos Latuff é cartunista
Carlos Latuf is a cartoonist


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