Comissão de boas vindas |
Admito que enquanto escrevia este post e enquanto via os vídeos que foram gravados chorei. Chorei sozinho, olhando para o computador e pensando que eu tinha uma casa, oras, eu tinha um computador para escrever estas linhas! E aquelas pessoas, tratadas pior do que cachorros, tratadas como lixo não tinham onde morar, não sabiam o que seria delas no dia seguinte.
Chorei ao pensar que podia ter morrido, com a bala de borracha que um PM atirou na minha direção e que me raspou a cabeça. chorei pela dor dos que ficaram lá no Pinheirinho, para resistir, para lamentar e para chorar a destruição de suas vidas por um governo fascista estadual e municipal do PSDB de Alckmin e Cury, com silêncio e conivência do federal, do PT.
Rua principal onde ocorreram os "confrontos" |
Não foram poucos os moradores que, chorando, em desespero, se perguntavam (e me perguntavam) onde estava Dilma, onde tava a Secretaria de Direitos Humanos. É curioso, mas a esperança que o PT fez crescer nessas pessoas foi despedaçada ontem, quando afirmavam que Lula não deixaria aquilo acontecer e que Dilma os havia abandonado. Não sei se Lula, Dilma ou o PT os abandonaram, o que sei é que o PSDB os massacrou e que eles precisam de solidariedade, ajuda, compaixão e uma nova vida.
Algo que não me importa também, no momento, é saber se a ação foi legal, ilegal, se tem conflito na justiça ou o diabo e sim que aquelas pessoas viveram e vivem um inferno em que seus direitos foram violados para que um marajá ganhasse de volta um terreno que o povo havia conquistado.
A mídia, sempre subserviente aos interesses dos poderosos, tratava os moradores pobres como bandidos. Suas casas serviam para fumar crack, para o tráfico. Eram todos bandidos, com crianças como armas, com seu desespero como arma. Pedras e raiva contra homens armados com balas, bombas e pistolas, além de cassetetes e muita vontade de bater e matar.
Reconstrução (ou tentativa) da grade do campo de concentração montado pela GCM. Em primeiro plano, carrinho com os pertences de um morador |
Saí com a @mairakubik, com o @felipedjeguaka, com a @mariana_parra e com a Paty (que tenho que achar a arrouba ou o nome completo) de São Paulo e fomos até São José dos Campos ver com nossos próprios olhos o que marginais uniformizados podem fazer sob o comando de um criminoso da Opus Dei.
Chegamos na cidade por volta das 15:30 e o clima era mais que tenso, era de guerra. Na avenida que liga o Pinheirio e o Campo dos Alemães - bairro vizinho e que protestou o tempo todo contra a ação brutal da PM e da GCM local (esta, aliás, muito mais violenta e despreparada) - carros queimados nos recebiam. Ao menos 3 carros pelo caminho, além da van da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo, cujos repórteres não saíram um minuto sequer detrás do cordão do Choque, com medo de serem linchados.
Começamos a gravar, a conversar com as pessoas, a tentar entender o que havia acontecido e o que nos esperava. Tentamos apurar o número de mortos. Uns falavam em 7, outros em 3, dentre eles uma grávida e, no fim, não conseguimos chegar a nenhuma conclusão. Muitas pessoas, ensanguentadas, foram levadas até desacordadas aos hospitais, mas não pudemos confirmar se haviam sobrevivido aos ferimentos ou não. No fim do dia, com bombas estourando, a informação de que uma criança de três anos teria morrido pelo efeito do gás lacrimogêneo. Mas também não pudemos confirmar.
GCM defendendo o perímetro do campo de concentração |
O cenário era o de casas humildes de um lado e do outro um terreno amplo com barracas de lona usadas para cadastramento das famílias, refúgio e, claro, com função midiática, forma da prefeitura fingir que estava fazendo algo pelos moradores, que estes não ficariam ao relento durante a desocupação. Na verdade, uma lona branca com chão enlameado por baixo, sem iluminação, quente e com algumas poucas cadeiras onde idosos resignados ficavam esperando seu destino e onde crianças e mães choravam e tentavam se refugiar da barbárie.
Qualquer semelhança com acampamentos nazistas não é mera semelhança. Fechados em um local gradeado e com barracas precárias e com enorme vigilância dentro e fora, as famílias recebiam pulseiras azuis para serem identificadas e, além de não poderem sair, ainda eram vítimas de abusos.
No meio disto tudo, uma rua mais ou menos larga, onde barricadas foram montadas pelo moradores e lá no fim, o isolamento do Choque e o Pinheirinho sendo desocupado e, logo, demolido com um trator que começou a trabalhar por volta das 18:30.
GCM e ROCAM do outro lado do campo de concentração |
O local onde ficavam as barracas era acessível apenas por uma pequena entrada controlada por guardas-civis extremamente mal encarados que muito a contra-gosto nos deixaram entrar. Era totalmente cercado e funcionava também como prisão. Não se podia sair uma vez dentro. Não surpreende que, revoltados, moradores "cadastrados" ou esperando sua vez tenham, ao custo de muitos feridos, derrubado uma parte da grade. Outras duas sessões da grade foram derrubadas ao longo do dia, com gritos de comemoração e muito gás e balas por parte da despreparada GCM que, em um dado momento, espancou duramente um rapaz do MTST, Guilherme Boulos, que foi levado ao hospital, e chegaram a usar munição de verdade, pois sacaram pistolas e atiraram contra mulheres e crianças - felizmente sem atingir alvos, pois teriam matado na hora.
Os vídeos 4 e 11, ao final do post contém as imagens, de dois ângulos diferentes, do espancamento e prisão de Guilherme.
A GCM era responsável pelo "perímetro" e abusou de violência para conter a revolta dos moradores que queriam escapar daquela prisão ilegal, com a sempre atenta PM, que chegou a entrar no lugar e também distribuir bombas ao longo do dia. O desespero das crianças e das mães era de partir o coração, pois não havia para onde correr. A PM e a GCM invadiam a grande tenda atrás de "vândalos" e jogavam bombas e atiravam por todos os lados.
No fundo, Pinheirinho |
Em um momento de rara calma, fomos atrás do comando da operação e fomos recebidos pelo Capitão Antero que, depois de desfilar uma infindável quantidade de abobrinhas, nos permitiu caminhar para mais perto do Pinheirinho e gravar as pessoas que, desoladas, eram escoltadas para fora com poucos pertences.
Não muito depois, um trator começou a demolir os barracos mais pobres da borda da comunidade sob a alegação de que não tinham nada dentro e que as casas "melhores" seriam demolidas apenas após a retirada de móveis e etc. Para quem não tem quase nada, aquele barraco que parece imundo é uma casa, é o lugar seguro de descanso do trabalhador. Mas foram abaixo.
Não sem surpresa, moradores começaram a se aproximar e protestar, jogando pedras, ao que a PM respondeu com brutalidade ímpar, seguindo pelas ruas e "limpando" a área, avançando pela rua com bombas e balas e, acreditem, jogando bombas nas tendas onde estavam mulheres e crianças, sem ter para onde ir. Foi um momento de pânico e desespero e onde alega-se tenha morrido uma criança de 3 anos.
As primeiras casas a serem demolidas no Pinheirinho |
De um lado a PM jogava bombas, do outro lado das tendas a ROCAM garantia que ninguém pudesse fugir, empurrando a população para a nuvem de gás "não-letal" - que ironia! Ao passo que a GCM continuava "assegurando" o perímetro e atirando em garotos que atiravam pedras em desespero pelas suas mães que estavam encurraladas.
Um verdadeiro cenário de guerra que contrasta com a afirmação do Capitão Antero de que tudo estava sendo preparado desde outubro, que tudo seria na paz, sem violência e que a PM não entraria na área das barracas, que era de competência (sic) da GCM e que, lógico, era área de famílias descansarem e não de serem massacradas.
Mas os marginais da farda, claro, deram seu show e continuaram a massacrar. A barbárie durou uma meia hora até que as coisas se acalmaram, logo quando começou a anoitecer e, infelizmente, fomos forçados a voltar para São Paulo, já sem bateria, cansados e sem ter como passar a noite. No caminho de volta, na Dutra, uma boa meia dúzia de carros da ROTA se dirigiam em alta velocidade no sentido contrário, o que apenas nos fez pensar no pior.
PM sem identificação, algo muito comum por lá. |
Colhemos depoimentos ao longo do dia, fotografamos, gravamos a barbárie e iremos publicar em diversos meios, como no youtube, em blogs, revistas e pensamos em preparar algum material para uma reportagem mais longa sobre o dia assustador pelo qual os moradores do Pinheirinhos passaram.
Ao longo do dia conversei com o vereador Tonhão, do PT, que estava com os olhos vermelhos e se mostrava totalmente impotente - e em desespero por isso -, vi passar o Deputado Gianazzi (PSOL) e soube que o vereador Marrom (PSTU) estava por lá, além do Ivan Valente (PSOL) e do Paulo Teixeira (PT).
Todos impotentes frente a barbárie perpetrada pelo PSDB com silêncio total do Governo Federal.
Parte interna de uma das maiores lonas do campo de concentração (foto de Mariana Parra) |
Com total certeza esqueci de muitos detalhes, de muitas histórias, mas admito ter chegado ao meu limite de ódio frente a uma situação tão absurda enquanto as lágrimas caem frente a minha total impotência. Aliás, imagino que este meu post, por conter críticas ao governo federal - e juro que sequer foram duras como deveriam - não irá ser reproduzido em nenhum grande blog. Mas pouco importa. Os fanáticos, os subservientes e os fracos que durmam com suas consciências pesadas. Eu fiz o que pude.
Mais algumas fotos:
Pequena arma da GCM, parece até que vão atirar em bandidos e não em pais de família |
Carro pronto para a mudança forçada (foto de Mariana Parra) |
O sentimento geral da população (foto de Mariana Parra) |
Desligamento da energia do Pinheirinho |
PM se encaminha para o Pinheirinho |
Van queimada ao lado do campo de concentração (foto de Mariana Parra) |
Van queimada ao lado do campo de concentração |
Van queimada ao lado do campo de concentração |
População cerca carro carregado de pães (foto de Mariana Parra) |
População entrando no campo de concentração para ser "cadastrada" |
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