Friday 13 April 2012

Os cintas-largas, os gordos, os brancos, as Hilux e as pedras preciosas (#Brasil) / The Cintas-largas, Fat Men, White Men, SUVs and Gems (#Brazil)

Postado originalmente por diarioliberdade.com em http://www.diarioliberdade.org/brasil/repressom-e-direitos-humanos/26054-os-cintas-largas,-os-gordos,-os-brancos,-as-hilux-e-as-pedras-preciosas.html
Originally posted by diarioliberdade at http://www.diarioliberdade.org/brasil/repressom-e-direitos-humanos/26054-os-cintas-largas,-os-gordos,-os-brancos,-as-hilux-e-as-pedras-preciosas.html

Trazido a minha atenção por @PersonalEscrito via Twitter
Brought to my attention by @PersonalEscrito via Twitter

A tradução Inglês foi feita por Jill Barnes com algumas adições por mim.
The English translation was done by Jill Barnes with some corrections by me.



Brasil - Boletim da UFMG - Os jornalistas dos grandes jornais e das emissoras de televisão no país não estavam presentes no momento em que, possivelmente, os índios cintas-largas mataram 29 garimpeiros que invadiram sua terra. Portanto, pouco sabem do que antecedeu e do que sucedeu ao evento: Quando o conflito teria começado? Os praticantes do crime teriam sido somente os índios? De quem obtiveram as armas? O que os teria levado a esta atitude extrema, já que os índios só atacam os brancos depois de exauridas todas as tentativas de fuga da violência e das atrocidades contra eles praticadas? Artigo de Ruben Caixeta de Queiroz, professor de Antropologia na Universidade Federal de Minas Gerais.

Em geral, a mitologia indígena tratou os brancos como seres bem-vindos e esperados, mas, depois dos massacres por eles cometidos, foram comparados aos piores monstros canibais. Aqueles jornalistas também não leram o que os etnólogos escreveram sobre essa mitologia e sequer leram o que a própria história dos brancos publicou a esse respeito.

Vejamos apenas dois casos. Em meados dos anos 70, construía-se a BR-174, que liga Manaus (AM) a Boa Vista (RR), e no meio do caminho havia aldeias de índios waimiri-atroari. Um ex-funcionário da Funai contou-nos que os índios apareciam e eram recebidos com rajadas de metralhadoras. Os militares matavam e jogavam terra por cima dos corpos. Em seu livro Massacre, o padre Silvano Sabatini relata as atrocidades sofridas pelos índios: doenças, assassinatos, cercas elétricas armadas no meio da mata para eletrocutar os índios que se aproximassem dos acampamentos militares.

No final da década de 60 _ fato documentado no relatório de uma comissão de inquérito _ descobriu-se que fazendeiros, com a ajuda de funcionários do governo, distribuíam, entre os índios, alimentos envenenados com arsênico. Em várias aldeias, aviões lançavam brinquedos contaminados com vírus de gripe, sarampo e varíola. Os mesmos cintas-largas tão visados pela imprensa de hoje foram vítimas do "Massacre do Paralelo 11", sobre o qual um dos participantes da chacina, Ataíde Pereira dos Santos, revelou: "depois de emboscar e abater os índios com rifles e metralhadoras, vi uma índia em pé e, chorando, uma criança de cinco anos segurava sua mão. Tentei protegê-la e disse a Chico Luiz, o chefe dos pistoleiros: Não faça mais judiação, os cintas-largas vão querer vingança, e os padres não vão gostar. A gente pode ficar com a mulher. Ela é nova e bonita. Se você não quiser, a gente pode levá-la para o Amorim (chefe de um outro grupo de extermínio que gostava de estuprar índias)". Mas Chico Luiz retrucou: "Quem quiser mulher que venha pegar no mato". Caminhou então em direção à índia e atirou na testa da criança, pegou a mulher, arrastou-a e amarrou-a, pendurada de cabeça para baixo, numa árvore. Foi quase só um golpe de facão para cortá-la no meio". Ataíde justificou: "Os cintas-largas estão sentados em cima de grandes jazidas de cassiterita, a terra deles dá boa plantação e tem mogno. Eles escolhem a melhor porção de terra e não querem sair dela de forma alguma. É preciso usar a força".

Parte da imprensa nacional e dos políticos do país não mais se lembra ou se recusa a lembrar destas histórias dos waimiri-atroari e dos cintas-largas. Mas por que os jornalistas se sentem livres para inventariar fatos sobre o assassinato de 29 garimpeiros na área dos cintas-largas, se eles não estavam lá presentes e nada sabem sobre a história da relação destes índios com os brancos? Tanta ignorância e "esquecimento" têm suas próprias razões e justificativas. Primeiro, o índio é apresentado como um bom selvagem, integrado à natureza, e que não se envolve com os brancos que invadem suas terras. Segundo, o índio é um ser violento e atrasado e deve ser amansado, dizimado, integrado à nação, e sua terra deve ceder lugar ao progresso.

Estas duas faces podem andar juntas na produção da informação e a serviço de interesses muito particulares: primeiro, constrói-se a figura do índio genérico, bom ou mau, pouco importa; depois afirma e mostra de forma límpida: "o índio hoje anda de carro chique, tipo Toyota Hilux", ou, "índio no país é sinônimo de preguiça, ócio e obesidade". A primeira frase acima, ouvi-a de um sociólogo, professor universitário; a segunda, publicada no jornal Folha de S. Paulo (edição de 29 de abril), foi atribuída ao deputado Alberto Fraga, do PTB _ mas poderia ter sido dita por tantos outros deputados.

Por um lado, tais discursos desconhecem a diversidade indígena no país, pois, se há índios gordos, há também aqueles que se encontram muito abaixo da linha de pobreza, vivendo nas grandes cidades, ou na beira das estradas, depois de terem suas terras usurpadas. Por outro lado, demonstram o eterno preconceito da sociedade brasileira, segundo o qual índio só é índio se usar arco e flecha, andar nu. E, ainda assim, se não ocupar uma floresta que esconda uma mina de diamante ou de mogno. Só os brancos podem ter acesso às pedras preciosas, pouco importa se elas foram contrabandeadas ou não das terras indígenas, se são lapidadas em Israel ou vendidas nas lojas da H.Stern de Paris ou de Ipanema; só os brancos podem andar de Hilux ou de avião, só eles podem ser gordos, usar pérolas no pescoço e dar aulas de sociologia.

Mas não se trata só de preconceito. Isso é querer reservar o mundo, as proteínas, os bens e as riquezas para os colonizadores. E ainda desejam que os índios permaneçam passivos, esperando a chegada dos invasores para levar o ouro! Se pudessem, eles fugiriam _ como sempre fizeram _ para uma floresta mais distante. O problema é que o cerco às suas terras e aos seus recursos está-se fechando, e eles não têm mais para onde ir. Ou resistem ou se integram aos brancos pelo lado mais pobre, da miséria dos camponeses sem terra e dos desempregados da cidade, ou pelo lado mais opulento dos contrabandistas de pedras preciosas. Todos já sabem: poucos são os índios que conseguem ingressar no lado mais "puro" da sociedade ocidental, no que lhe resta de digno na política, na universidade e na justiça.

Ruben Caixeta de Queiroz é antropólogo e professor da Fafich-UFMG

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Brazil - Boletim da UFMG -journalists from major newspapers and television stations in the country were not present at the time, possibly the Cinta Larga Indians killed 29 miners who invaded their land. Therefore, little is know of what preceded and succeeded this event: When did the conflict start? Those guilty of the crime would have been only the Indians? From whom would they have obtained the weapons? What would have caused them to take such extreme action, since the Indians only attack the whites after having exhausted all attempts to escape from violence and atrocities committed against them? Article by Ruben Caixeta de Queiroz, professor of anthropology at Universidade Federal de Minas Gerais.

In General, the indigenous mythology dealt with the whites as beings welcome and expected, but, after the massacres they committed, were compared to the worst monsters cannibals. Those journalists also did not read what ethnologists wrote about this mythology and even read what the history of whites published thereon.

Let's look at just two cases. In the mid-70 years, built the BR-174, which connects Manaus (AM) to Boa Vista (RR), and along the way had waimiri-atroari Indians villages. A former employee of Funai told us that the Indians appeared and were greeted with bursts of machine guns. The military killed and pitched Earth on top of the bodies. In his book Massacre, Fr. Silvano Sabatini recounts the atrocities suffered by Indians: diseases, murders, armed electric fences in the middle of the forest to kill the Indians who approached the military camps.

In the late 60s _ fact documented in the report of a Commission of inquiry _ it turned out that farmers, with the help of government officials, distributed food poisoned with arsenic among the Indians. In several villages, planes launched toys contaminated with influenza virus, measles and smallpox. The same Cinta Larga targeted by the media today were victims of the "Massacre of the 11th Parallel," in which a participant in the massacre, Ataíde Pereira dos Santos, said: "after ambushing and killing the Indians with rifles and machine guns, I saw an Indian standing and crying, a five-year holding her hand. I tried to protect her and Luiz Chico, the leader of the gunmen said: the Cintas-wide will want revenge, and the priests will like not like it. We can stay with the woman. She is young and pretty. If you do not, we can take her to the Amorim (head of another death squad that enjoyed raping Indian women). "But Chico Luiz said, "Whoever wants to come pick up women in the bush." Then he walked toward the Indian and shot the child in the forehead, grabbed the woman, dragged her and tied her up, hung upside down on a tree. It was almost just swung the machete to cut it in half. "Ataíde justified:" The Cinta-larga are sitting on large deposits of cassiterite, the land gives them good crops and has mahogany. They choose the best piece of land and do not want to leave it in anyway. You need to use force."

Part of the national press and politicians of the country no longer remember or refuses to remember these stories of the waimiri-atroari and Cinta Larga. But why do journalists feel free to identify facts about the murder of 29 miners in the area of Cinta Larga, if they were not present there and know nothing about the history of the relationship of these Indians with the whites? So much ignorance and "Oblivion" have their own reasons and justifications. First, the Indian is presented as a noble savage, integrated with nature, and that has no involvement with the whites that invade their lands. Second, the Indian is a violent and delayed and should be amansado, wiped out, integrated with the nation, and its land must cede place to progress.

These two sides can walk together in the production of information and the very special interests service: first, build up the figure of the Indian generic, good or bad, it doesn't matter; After says and shows so clear: "the Indian today goes upscale car, type Toyota Hilux", or, "Indian in the country is synonymous with sloth, idleness and obesity". The first sentence above, I heard it from a sociologist, lecturer; the second, published in the newspaper Folha de s. Paulo (April 29 Edition), were attributed to Mr Alberto Fraga, the PTB _ but it could have been said by so many others.

On the one hand, such speeches are unaware of indigenous diversity in the country, because if there are Indians, there are also those who are fat are far below the poverty line, living in big cities, or on the roadside after their land hijacked. On the other hand, demonstrate the eternal bias of Brazilian society, which is only Indian Indian use archery, walking naked. And yet, if they do not occupy a forest that hides a diamond mine or mahogany. Only whites can have access to precious stones, little whether they were smuggled or otherwise of indigenous lands, whether they are cut in Israel or sold in the shops of Paris h. Stern or Ipanema; only whites can ride a Hilux or plane, only they can be plump, use pearls in the neck and give lessons in sociology.

But it is not only of prejudice. This is wanting to book world, proteins, goods and riches for the settlers. And still want the Indians remain passive, waiting for the arrival of the invaders to take the gold! If they could, they run away _ as always did _ to a forest farther. The problem is that the siege on their land and its resources are closing, and they have no where to go. Or resist or integrate to whites by hand more poor, poverty of landless peasants and unemployed in the city, or more opulent side of smugglers of precious stones. All already know: there are few Indians who can join the side more "pure" of Western society, in which remains of worthy in politics, at the University and in justice.

Ruben Caixeta de Queiroz is an anthropologist and professor at UFMG-Fafich

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