Tuesday, 12 June 2012

#Síria, uma guerra de propagandas / #Syria, a propaganda war



Charge por Carlos Latuff originalmente publicado pela Opera Mundi no http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/22383/siria+a+apoteose+do+barbarismo.shtml


Cartoon by Carlos Latuff originally published by Opera Mundi at http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/22383/siria+a+apoteose+do+barbarismo.shtml

Este artigo abaixo foi originalmente publicado por Brasil de Fato em http://www.brasildefato.com.br/node/9771
This article below was originally posted by Brasil de Fato at 
http://www.brasildefato.com.br/node/9771


Por/by Raphael Tsavkko Garcia
Garcia escrevi ainda em janeiro um artigo para este Brasil de Fato sobre a situação da revolta Síria que, hoje, se encaminha para a guerra civil. Pouco mudou em termos de cenário e de participantes, mas a percepção popular sobre os eventos parece ter mudado. E para pior.
Garcia also wrote an article in January about the issue  of the Syrian revolt in Brasil de Fato, which today is headed for civil war. Little has changed in terms of setting and participants, but the popular perception of the events seems to have changed. And for the worse.
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A mídia comercial insiste em retratar os insurgentes sírios como um grupo homogêneo de lutadores pela liberdade, ao passo que Assad e toda a “situação” síria, pró-governamental é mostrada como sanguinária e apenas interessada no poder. Esta visão é datada e carregada de interesses.
The mainstream media insists on portraying the insurgents Syrians as a homogeneous group of freedom fighters, while Assad and the whole "situation" Syrian, pro-government is depicted as bloodthirsty and only interested in power. This view is dated and full of externally motivated interest.
Os opositores de Assad são vários e nem de longe unificados. Pequenas facções divididas não apenas em cores religiosas, mas também divididas em tribos e clãs e com os mais diversos interesses. A franca maioria dos insurgentes é da maioria sunita, que é marginalizada por Assad, um alauíta, mas também é possível encontrar alguns poucos cristãos junto a eles. Há grupos laicos e militantes islâmicos, grupos com cristãos e grupos anticristãos, além de grupos financiados pelos EUA, outros vindo do Líbano e grupos independentes, enfim, uma salada indigesta sob todos os pontos de vista.
Assad's opponents are numerous and far from unified. Small factions divided not only along religious lines, but they are also divided into tribes and clans with diverse interests. The majority of Sunni insurgents  are sidelined by Assad, an Alawite, but you can also find a few Christians among them. There are secular and Islamist groups, groups of Christians and anti-Christian groups, and groups funded by the U.S. from Lebanon and other independent groups; an indigestible salad from all points of view.
Ao lado do governo luta não apenas o exército, mas a milícia Shabbiha, cuja influência governamental é incerta, e outros grupos menores, especialmente cristãos e drusos.
Beside the government struggles not only the army but the Shabbiha militia, whose government influence is uncertain, and other smaller groups, especially Christians and Druze.
Os EUA, por sua vez, tem dificuldade em conseguir organizar e armar a oposição – fragmentada -, ao passo que Israel teme que o regime que venha a surgir pós-Assad seja ainda pior e mais ferrenhamente opositor. A Síria se assemelha à Líbia, um país com relativa estabilidade e bons índices sociais, relativamente laicos e com mulheres com mais liberdade que os vizinhos, mas dividido em clãs e tribos, ainda que controladas.
The U.S., in turn, have difficulty in getting organized and in arming the opposition - which is fragmented - while Israel fears that a post-Assad scheme may, which is even worse and more fiercely opposing. Syria is similar to Libya, a country with relative stability and good social indicators, for laymen and women with more freedom than their neighbors, but divided into clans and tribes, yet in a controlled scenario.
Com a ação dos EUA e aliados para desestabilizar o país – aliado com um princípio legítimo de revolta – as fraturas sociais começam a aparecer e uma guerra civil torna-se inevitável. Se por um lado há tanques e aviões de Assad realizando ataques às regiões controladas pelos vários grupos rebeldes, por outro as principais atrocidades são cometidas por grupos governistas e não pelo exército. Se Assad é o responsável direto, porém, pelas ações destes grupos é algo que não passa de especulação.
With the action of the U.S. and its allies to destabilize the country - coupled with a sound principle of revolt - social fractures are beginning to appear and a civil war has become inevitable. On the one hand there are tanks and planes carrying out Assad's attacks on areas controlled by various rebel groups. On the other hand, major atrocities are committed by pro-government groups and not by the army. Assad may be directly responsible, but by the actions of these groups is something that is just speculation.
É preciso considerar que as minorias drusas, xiitas, cristãs e alauítas temem um regime islâmico sunita não apenas pelo caráter religioso, mas também pela possível vingança que este grupo majoritário organizaria contra minorias que passaram décadas senão no poder, próximos a ele.
One must consider that the Druze minority, Shiites, Christians and Alawites fear a Sunni Islamic regime not only due to its religious character, but also due to the possible revenge that this majority group organize against minorities who have spent decades in power.
O exército sírio é povoado por cristãos e alauítas e motivo de ressentimento por parte da maioria sunita. A resposta desta maioria dominada pode ser um banho de sangue e a limpeza étnica.
The Syrian army consists of Christians and Alawites, which is the cause of resentment from the Sunni majority. The response that dominates most of this can result in bloodshed and ethnic cleansing.
Uma saída “iemenita”, como também aventam altos oficiais dos EUA não seria simples. Em outras palavras, um acordo para que Assad deixasse o poder, como fez o presidente/ditador do Iêmen, Saleh, poderia acirrar ainda mais os ânimos de um conflito que, diferentemente do Iêmen, não é apenas tribal e pelo fim de uma ditadura, mas também sectário, religioso. As minorias que hoje apoiam Assad poderiam revidar ainda com mais força a insurgência sunita devido à derrota e ao pânico de serem dizimados.
A "Yemeni" style exit, was put forward by senior U.S. officials but would not be simple. In other words, an agreement for Assad to leave power, as the president / dictator of Yemen, Saleh, could further intensify the mood of a conflict that, unlike Yemen, is tribal in nature and represents not just the end of a dictatorship, but also of sectarian, religious divisions. Minorities who today support Assad could strike back with even more force to defeat the Sunni insurgency because of this and a fear of being wiped out.
Da mesma forma, a saída de Saleh do poder não veio acompanhada do fim dos conflitos separatistas no sul do Iêmen ou dos conflitos tribais no norte, assim como a ação da Al Qaeda local, como bem lembrou o jornalista Gustavo Chacra em artigo recente.
Likewise, Saleh did not carry the same level of power towards the end of the separatist conflicts in southern Yemen or tribal conflicts in the north, as well as the action of the local Al Qaeda, as the journalist Gustavo Chacra noted in a recent article.
É preciso ainda ter em mente também o efeito que o conflito sírio vem causando no Líbano, que pode mergulhar novamente no caos caso o Hezbollah – financiado pela síria – e grupos próximos, como os cristãos de Michel Aoun ou os sunitas do Amal, resolvam intervir ou mesmo passem a repetir o conflito no país vizinho em seu próprio quintal.
We must further bear in mind the fact that the conflict in Lebanon, which under Hezbollah leadership (which are in turn funded by Syria) - and similar group like the  Christian Micheal Aoun's and Amal's Sunnis, could plunge the country into chaos again. This has caused Syria to intervene to avoid repeating a conflict in the neighboring country/in their own backyard.
Novamente, não há como negar que Assad ou elementos próximos ao regime vem cometendo atrocidades, mas estas também são cometidas pelos insurgentes, mas apenas não encontram eco semelhante na mídia comercial. Michel Chossudovsky, por exemplo, publicou recentemente artigo do jornalista russo independente Marat Musin em que ele denunciava o já famoso Massacre de Houla como resultado da ação do Exército de Libertação Sírio, ou seja, dos rebeldes que teriam massacrado famílias leais a Assad.
Again, there is no denying that elements close to the Assad regime, have been committing atrocities, but they are also committed by insurgents. This, however, does not resonate with the commercial media. Michel Chossudovsky, for example, recently published an article by the independent Russian journalist Marat Musin in which he denounced the now famous massacre Houla as a result of the action of Syrian Liberation Army, or the rebels who have massacred families loyal to Assad.
Não é possível corroborar tais informações, da mesma forma que é impossível provar categoricamente que a ação tenha sido obra do exército de Assad ou da milícia Shabbiha, mas o caso serve para ilustrar o jogo de propaganda e contrapropaganda que esconde o que efetivamente acontece no país.
One can not confirm such information, as it is impossible to prove categorically that the action has been the work of the army or militia Shabbiha Assad, but the case serves to illustrate the game of propaganda and counter-propaganda which obscures what is actually taking place in the country.
Outro aspecto importante do conflito – e que é fruto do processo de desinformação midiático de ambos os lados - é a guerra particular travada entre a Rússia e os EUA por zonas de influência. A Rússia vê na Síria – assim como no Irã – bastiões de resistência de sua influência no Oriente Médio, ao passo que boa parte dos vizinhos estão sob esfera americana – alguns depois da quase destruição via intervenção dos EUA.
Another important aspect of the conflict - that is the result of the process of media disinformation on both sides - is a private war fought between Russia and the U.S. for control over a strategic space. Russia sees in Syria - as well as in Iran - as bastions of resistance to its influence in the Middle East, while many of the neighbors are under the American sphere of influence - some after the near destruction by means of U.S. intervention.
Afeganistão, Iraque, Israel, Arábia Saudita e demais países do Golfo são um entrave aos interesses russos e a queda do regime sírio imporia uma nova derrota à diplomacia deste país.
Afghanistan, Iraq, Israel, Saudi Arabia and other Gulf countries are a barrier to Russian interests and the fall of the Syrian regime would impose a new defeat for diplomacy in this country.
A defesa tenaz de Serguei Lavrov, ministro das relações exteriores da Rússia, ao regime sírio se explica por estes interesses e, também, mas em menor parte, pela dúvida que continua pairando sobre as reais intenções dos insurgentes.
The tenacious defense by Sergei Lavrov, foreign minister of Russia, of the Syrian regime is explained by these interests and also, but to a lesser extent, this explains the question that keeps hovering over the real intentions of the insurgents.
A Líbia é um excelente paralelo, onde, depois de uma intervenção por parte dos EUA e aliados europeus, mergulhou no caos, em disputas de facções rivais divididas em tribos e clãs, e não dá mostras de se recuperar brevemente. Uma intervenção armada, como querem os EUA, poderia pulverizar ainda mais o conflito, ampliando o número de grupos lutando pelo poder e ampliar os massacres. Apesar da grande mídia se limitar a denunciar massacres cometidos ou supostamente cometidos pelo governo e seus aliados – inclusive com fotos falsas de corpos e através de denúncias com pouca credibilidade – massacres vem ocorrendo também contra grupos pró-governo, vitimando crianças, mulheres e não combatentes.
Libya is an excellent parallel, where, after an intervention by the U.S. and its European allies, the country descended into chaos with factional rivals divided into tribes and clans. The country is showing no signs of recovering soon. An armed intervention, as is desired by the U.S. could cause even more conflict, thereby increasing the number of groups fighting for power and extending the massacres. Despite the mainstream media's denouncing of the massacres comitted to date - allegedly committed by the government and its allies - including photos of bodies and through accusations with little credibility - these massacres are also taking place against pro-government groups, killing children, women and non-combatants on both sides.
A autoria dos massacres é, por vez, de difícil identificação, sobrando para a propaganda midiática de um ou outro lado fazer seu trabalho.
The authors of the massacres are in turn difficult to identify, which leaves the media of either side to do their propaganda work.
Não resta dúvida de que a situação é complicada, cuja resolução não está apenas longe, mas ainda não parece possível. A certeza, porém, é que a pressão dos EUA e aliados sobre o governo junto a uma campanha difamatória midiática e o financiamento que chega até à doação de armamento à oposição apenas contribui para o acirramento que periga chegar até Damasco e tornar-se de vez uma sangrenta guerra civil. Em outras palavras, a ingerência estrangeira em um conflito – ainda – interno da Síria apenas contribui para torná-lo ainda pior.
There is no doubt that the situation is complicated. A resolution to this situation is not only far away, but seems impossible. The certainty, however, is that U.S. pressure on the Syrian government and allied with a media smear campaign and funding that goes to weapons for the opposition, only contributes to an aggravation that endangers Damascus and could become a bloody civil war. In other words, the foreign intervention in a conflict - still - inside Syria only serves to make it even worse.

Raphael Tsavkko Garcia é bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestrando em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero.

Raphael Tsavkko Garcia holds a BA in International Relations from the Catholic University of São Paulo (PUC-SP) and Master's degree in communication from the Casper Libero Faculty.

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